Sem mudar os hábitos, Renata começou a ganhar peso novamente. “Foi quando conheci o grupo de pedal da minha cidade. Fiquei encantada com a quantidade de pessoas que saíam para pedalar juntas todas as quintas-feiras. Resolvi participar e desde então não deixo de comparecer a nenhum passeio. Pedalar hoje é a minha realidade. Além de parar de engordar e ver meu corpo mais firme, sinto-me menos estressada, mais ágil, revigorada”, comemora Renata.
O começo
O Pedal Noturno que Renata conheceu foi concebido pelo grupo CicloturIta – Ciclistas de Itanhaém, formado em 2005 por amigos atletas de speed, mountain bike e cicloturistas.
Como estavam sempre na bicicleta, competindo, viajando ou treinando pelas ruas da cidade, despertaram a curiosidade de muitas pessoas e amigos. “Muitas pessoas tinham vontade de pedalar conosco, mas se achavam incapazes de acompanhar nosso ritmo ou achavam que a bicicleta tinha que ser especial demais para tanto”, relembra Marco Brandão, um dos precursores.
Esse foi o insight para a criação do Pedal Noturno em Itanhaém. “Já tínhamos conhecimento de grupos de ciclistas que pedalavam à noite, como o Night Bikers e o pessoal do CAB, em São Paulo. Durante um treino, vislumbramos a ideia, que já era antiga, de abrir o grupo convidando a participar qualquer pessoa que quisesse pedalar conosco. Para isso, nós nos comprometemos a definir um dia e horário da semana exclusivo para esse passeio. Outra questão importante era ter consciência da necessidade de acompanhar o ritmo do participante mais lento com o intuito de ajudá-lo a ganhar o condicionamento necessário. Mesmo que ninguém aparecesse ali, nós quatro (Marco, Aleksandro, Gogó e Valdo) estaríamos sempre ali, firmes e comprometidos”.
Em dezembro de 2012, contando com nove participantes, aconteceu o primeiro Pedal Noturno de Itanhaém.
Sobre a cidade
Texto: Marcelo Pinheiro
A cidade paulista de Itanhaém tem uma área de quase 600 km². São aproximadamente 40 km de orla marítima entre Mongaguá e Peruíbe. Com um território plano, ao nível do mar, Itanhaém tem um ambiente propício para a utilização da bicicleta. Itanhaém tem mais de 90 mil habitantes, dos quais 30 mil utilizam transporte público como meio de mobilidade urbana. Estima-se que 20 mil itanhaenses utilizem a bicicleta como meio de locomoção.
A utilização da bicicleta vem aumentando devido a mudança de comportamento das pessoas, quer pela economia, por mobilidade, pela consciência ecológica, por esporte, pelo turismo, entre outras necessidades. Hoje em dia a bicicleta está sendo usada por pessoas de todas as classes sociais e econômicas, pessoas de ambos os sexos e principalmente de todas as faixas etárias. Nos últimos tempos a utilização da bicicleta se intensificou, principalmente devido ao congestionamento de trânsito nos grandes centros urbanos devido ao alto número de carros e conscientização através de manifestações e outras ações.
Qualquer pessoa, qualquer bike
Para ajudar a desmistificar a prática do pedal, foi criado o convidativo slogan: “qualquer pessoa, qualquer bike”. A ideia era dar ao grupo um formato de fácil acesso, receptivo. Deu certo. “Muitas pessoas procuram esse tipo de pedal por não necessitar de uma bicicleta muito sofisticada, pela companhia de andar em grupo, pela interação e recepção dos próprios frequentadores. Convidamos o pessoal da natação e do pedestrianismo para participar, em especial uma amiga, Ângela Nascimento, porque até então não tínhamos nenhuma mulher pedalando entre nós. A finalidade do grupo era crescer e divulgar o uso da bicicleta como instrumento de alegria, união, respeito e saúde”, afirma Marco. Ângela, professora, 40 anos, aceitou o convite na hora. Ela conta: “sempre gostei de pedalar, fazer atividades com meus alunos ou sair para dar uma volta à beira-mar. A partir do contive dos amigos do CicloturIta, sempre que tenho oportunidade, vou pedalar. Como já praticava exercícios, a bike veio para somar, melhorar a resistência, fazer novas amizades, encontrar pessoas na mesma sintonia”.
Através do famoso boca-a-boca, quem já participava passou a convidar os amigos e o grupo foi aumentando. “Hoje, contamos com a presença de pessoas das cidades vizinhas, como Mongaguá, Peruíbe, Pedro de Toledo e Itariri, que vêm participar do nosso passeio noturno. Nosso grupo é formado por pessoas de qualquer gênero e camada da sociedade, dos cinco aos 80 anos. Famílias inteiras, pai, mãe, filhos e netos pedalam juntos. Muitas crianças aderiram à ideia. Comerciantes, médicos, advogados, professores, dentistas, estudantes, domésticas, profissionais liberais e até ‘ciclistas’ realizam o passeio”, brinca Marco.
Realmente, muitos que chegam para o pedal atualmente são “ciclistas”, pessoas que já tinham o costume de pedalar frequentemente, como é o caso de José Idílio Ribeiro, 52 anos, funcionário público estadual. “A bicicleta é um meio de transporte bom, barato e saudável. Sinto-me muito bem quando pedalo, o que me faz sempre querer pedalar mais. Uso a bike todos os dias para ir ao trabalho, nos finais de semana para viajar a cidades próximas, e nas férias para viagens mais longas. A bicicleta me levou a interagir nas redes sociais e fora delas, em grupos que se formam não só para pedalar, mas também para trocar experiências”, afirma.
Paulo Ferreira de Morais, 35 anos, policial militar, também pedala desde criança. “O principal motivo para utilizar bicicleta é melhorar o condicionamento físico, passeios de longa distância, lazer e treinamento para triatlo. Visando uma utilização mais competitiva da bike, treino três vezes por semana em rodovias e participo do Passeio Noturno, totalizando pelo menos quatro pedaladas por semana”, diz.
De acordo com Marcelo Pinheiro, um dos organizadores, “a cada dia mais pessoas se unem ao Cicloturita com vários propósitos. Inicialmente por recreação, o grupo foi sendo divulgado, passando da recreação para a questão de saúde, estética, grupos de mulheres em busca de condicionamento físico, crianças aprendendo a interagir em grupo e pessoas com a intenção de se manter em forma para explorar o cicloturismo. Vendo a necessidade de seus adeptos, o CicloturIta vem se constituindo com o objetivo de atendê-los de forma segura e prazerosa”.
Redescobrindo a bicicleta
Rosimar Almeida de Souza Lopes, 40 anos, advogada
“Sempre senti um imenso prazer em pedalar. Com o nascimento do meu filho, em 2000, e a necessidade de sair da rotina diária, adquiri uma bicicleta após um longo período sem praticar. Os passeios eram muito prazerosos e o pequeno, na cadeirinha, curtia as descobertas, movimentos, cores, animais e formas. Mas com o passar do tempo abandonei a prática. Hoje, com o incentivo do Pedal Noturno, novamente me reencontrei com o prazer de cada pedalada. O grupo é muito bom, solidário e comprometido com o bem-estar. Como é bem diversificado, os diálogos fogem da rotina de trabalho. Fiz novos amigos, ampliei conhecimentos humanos e me integrei a um novo mundo. As noites de quinta-feira em Itanhaém não são mais as mesmas”.
Marcelo Stortini Aguiar, 35 anos, administrador de empresas
“Desde pequeno tive bicicleta e costumava pedalar. Em janeiro, descobri que estava com diabetes e com a glicemia em um nível muito alto, a ponto de entrar em coma. Passei por médicos e a indicação deles foi fazer uma dieta rigorosa e sair do sedentarismo. Como tinha visto através das redes sociais que havia um pedal noturno todas as quintas-feiras, acabei indo conhecer o pessoal e me apaixonei pelo esporte. Desde então, não parei mais. A bicicleta me trouxe benefícios extraordinários: com a prática do ciclismo e alimentação moderada, eliminei 24 kg e não tenho mais a necessidade de usar medicamentos para diabetes”.
Valéria Marques, 42 anos, professora
“A bicicleta sempre fez parte da minha vida, mas há aproximadamente um ano resolvi pedalar com mais frequência e em longas distâncias. Essa prática mudou minha vida. Emagreci e passei a controlar o meu peso. Tinha problemas de insônia constantemente, hoje durmo todas as noites. Meu nível de estresse baixou consideravelmente, minha vida ficou mais leve, mais tranquila. A bicicleta proporciona momentos de plenitude, torna-me simplesmente mais feliz”.
Alguns personagens
Marcelo Carlos Pinheiro Filho, o Marcelinho, 14 anos, começou a praticar esportes com 10 anos de idade para melhorar a saúde, pois os pais o achavam muito magrinho. A menos de oito meses começou a pedalar. O Pedal Noturno foi tão encantador para ele que logo convidou sua irmã, Camila, 10 anos, para pedalar também no intuito de melhorar a saúde, pois ela se encontrava muito acima do peso. “Quando vimos a felicidade dos nossos filhos, começamos a pedalar também. Saímos do sedentarismo”, contam Marcelo (43 anos) e Cristiane (41 anos), pais de Marcelinho e Camila. Quando Marcelo começou a pedalar, estava pesando 150 kg. Ele afirma: “além do Pedal Noturno, passei a pedalar todos os dias e já emagreci 30 kg”. Hoje, a família pedala quase diariamente e já iniciaram algumas viagens cicloturísticas. O mesmo entusiasmo que contagiou toda a família, agora está contagiando amigos e trazendo mais pessoas à prática do pedal.
O aposentado Telmo Diz Neto, 66 anos, pedala desde criança e foi na bicicleta que ele encontrou uma forma de manter a família unida. “Antes da bicicleta, fazíamos esportes diferentes como corrida, caminhada, natação, e isso automaticamente nos separava. Hoje, saímos todos juntos”, afirma Telmo, que participa com a esposa, Rita, nos pedais noturnos.
A servidora pública municipal Andrea Maria Morera de Campos, 46 anos, começou a participar do Pedal Noturno há quatro meses. A prática a fez relembrar da época de criança e de quando, finalmente, conseguiu comprar a sua própria bike. “A bicicleta sempre foi uma paixão. Foi o primeiro presente “caro” dado por meus queridos pais a uma prole de cinco filhos – sim, uma bike para dividir entre os cinco! Tempos difíceis, nos idos dos anos 70. A bicicleta era dobrável e vermelha. Não fosse a interferência, paciência e amor dos meus pais, provavelmente a terceira grande guerra teria início ali. Os minutos para utilizar a magrela eram disputadíssimos, mas venceu a fraternidade e a disciplina. Depois, com 14 anos, comecei a trabalhar e com o primeiro salário realizei o meu sonho: uma Caloi 10. Meu meio de transporte era também minha maior diversão. Passei quase 15 anos sem pedalar, até que reencontrei no Pedal Noturno todo o prazer que a bike pode proporcionar. Tudo bem que, diferente de outros tempos, as subidas hoje são meu maior desafio, mas eu vencerei. O Pedal Noturno é uma ideia inovadora no que tange a proporcionar a toda a sociedade a possibilidade de praticar uma atividade ao mesmo tempo esportiva e de lazer, de forma absolutamente democrática e saudável. É preciso ressaltar o competente trabalho dos idealizadores, como o Marco, pela forma humilde e dedicada com que administram os trabalhos do grupo”.
O passeio
Os passeios do Pedal Noturno em Itanhaém acontecem todas as quintas-feiras, às 20 horas, com saída na Praça Central, passando por pontos turísticos da cidade.
A partir do 15º passeio, o grupo passou a contar com trilha sonora durante as saídas. “Sem avisar ninguém, nosso parceiro Gogó chegou com uma bicicleta de som – isso mesmo, música! – e, a partir de então, ela passou a fazer parte dos nossos passeios”, recorda Marco. Em seguida, o grupo também encontrou apoio da Prefeitura e do Departamento de Trânsito, que atualmente disponibiliza quatro batedores, sendo três motos e uma viatura, para fazer a escolta do grupo.
Para atrair ainda mais pessoas, já foram realizados pedais noturnos temáticos, como o Pedal Noturno Junino e o Pedal Noturno do Dia Internacional da Mulher. O sucesso se reflete no crescimento do grupo. Mesmo durante o inverno, a cada pedal realizado o recorde de participantes era batido. Há um grupo fixo de aproximadamente 50 ciclistas e mais de 200 pessoas que sempre que podem, participam.
Da mesma forma que foi inspirado por alguns grupos, o Pedal Noturno de Itanhaém também já influenciou o início de pedais noturnos em outras cidades. “Através das redes sociais conseguimos espalhar a ideia por uma grande rede de amigos”, comemora Marco. Então, fica a dica: se você é de Itanhaém, vá pedalar com essa turma. E se você mora em outra cidade, que tal se informar sobre a existência de algum grupo que ofereça passeio semelhante? Se não existir, procure ciclistas experientes e proponha a ideia de criá-lo. Assim como aconteceu em Itanhaém, um grupo de pedal pode contribuir para que cada vez mais pessoas redescubram a bicicleta e através dela, possam obter maior qualidade de vida.